Confissões de Uma Ex Esposa de Pastor
Por Uma Menina do Reino
Ela tinha 20 e ele 27 anos.
Ambos não sabiam que o outro existia.
Ela, nova convertida e cheia de alegria por ter sido
encontrada pelo Caminho, pela Verdade e pela Vida.
Ele, não lembro exatamente agora, onde estava.
Ela veio a conhecer o mundo evangélico depois da sua
compreensão da Verdade, que foi acontecendo enquanto caminhava pela vida, à sós
com Deus. Deus a encontrou fora de qualquer religião, isso para ela é como um
troféu. Tudo simples, apenas ela, o Evangelho e o Espírito.
Dois anos se passaram.
Ambos encontraram-se, então, numa pequena congregação que
logo depois se tornou “igreja”, pois passou a preencher os requisitos
requeridos no Manual Legislativo da denominação da qual havia passado a ser
membro.
Ele, pastor denominacional e de família protestante “da mais
alta linhagem teológica”, de 3º ou 4º geração, enfim, um invejável pedigree.
Ela, uma “trabalhadora de última hora”, ex-católica não
praticante, sem família no ambiente religioso evangélico.
Ele, pastor formado em excelentes instituições, o totem da
sua família.
Ela, a uma boca a mais na mesa de uma família toda
arrebentada, pais separados, mas, que na busca sedenta por Deus, com Ele
encontrou-se aos 20 anos.
Ele e ela encontraram-se.
Em pouco tempo, casaram-se.
Ela...
Ela ainda acredita que apesar dos enganos da Religião, casou
por amor.
Ele...
Não sei ao certo. Talvez tenha casado com ela pela cruel
pressão psicológica que uma comunidade religiosa exerce sobre um pastor com
quase 30 anos, ainda solteiro.
Ela tornou-se, então, uma nova convertida chamada por todos
de Esposa-de-Pastor.
Esse foi seu único nome por muito tempo.
Ela, bem...
Ela nunca conseguiu deixar-se formatar pelo modelo de
esposa-de-pastor.
Assim...
A comunidade religiosa não a aceitou. Começou a oprimi-la
desde o início, houve uma rejeição coletiva da pessoa dela por ela não
enquadrar-se nos padrões do que deve ser uma esposa-de-pastor segundo os moldes
desse mundo evangélico doente.
Ela não conseguia entender simplesmente nada do que
acontecia, as hostilidades gratuitas, os gritos agressivos em público contra
ela, o fato de ser pauta na reunião do conselho da igreja por não conseguir
estar presente sempre, as humilhações de senhoras em reuniões de senhoras.
Angústias profundas e ela adoeceu seriamente. Deprimiu-se
com o fardo pesado que as pessoas da religião colocaram sobre seus ombros. Os
domingos, que antes eram alegres, tornaram-se sufocantes, cheios de ansiedade,
febres e outras somatizações.
Ela perdeu a alegria e ele também.
Ela...
Quanto mais deprimida ficava, mais humilhada era, pois
correspondia cada vez menos às expectativas dos membros da “igreja” que tem a
fixação de que mulher de pastor tem que ser, pelo menos, presidente de alguma
sociedade feminina, pois isto “... a tornará mais feliz!”, era o que para ela
diziam.
Ela refugiou-se no trabalho com crianças.
Ele, que sempre foi mais ele pastor do que ele mesmo, pois
ser pastor era algo a que ele apegou-se mais do que ser ele próprio em primeiro
lugar, perdeu-se de si mesmo diante dos olhos dela.
Ele deixou-se ser consumido pela instituição, que é
pesadíssima e opera de maneira diametralmente oposta à simplicidade da proposta
do Evangelho.
Ela, para minimizar tensões no lar, ouvia calada no café da
manhã, no almoço, no jantar e em todas as horas do dia as lutas do pastorado
dele, que giravam quase sempre em torno da burocracia da denominação, litígios
no meio da comunidade e tribunais eclesiásticos, enfim, até a alma dela
fadigar.
Ela adorava quando o dia terminava, pois ficava a sós com
Deus buscando um pouco de alívio.
Ela chorava, pois via tudo desmoronar.
Ele foi adoecendo da doença chamada Religião sob os olhos
dela e ficando uma pessoa cada vez mais agressiva.
Ela percebeu. Advertiu-o sobre o cultivar do amor entre
eles. Ele não ouvia mais. Estava absorvido por tudo que dizia respeito à Santa
Madre Igreja Protestante.
Ele tornou-se por dentro seco e frio como a Constituição da
denominação à que servia, e servia como quem serve a um ídolo.
Ele, cujo Nome Próprio havia se tornado cada vez mais em Senhor
Pastor Ordenado da Igreja Tal, não tinha paz em um segundo de sua vida.
Ela sempre questionou o que via e ouvia, e, calada e em
oração, conferia coisa com coisa no coração.
Ela foi tornando-se cada vez mais convicta de que havia algo
errado, pois não havia o Amor em nenhum lugar na “igreja” da qual ele era
pastor, modo simples de aferição das coisas dado pelo Mestre, Amor, que é a
marca da comunidade dos discípulos de Jesus.
Ela viu que tudo aquilo era antítese do Evangelho de Jesus e
disse para si mesma observando, um certo dia, o ajuntamento de pessoas que
apenas digladiavam-se o tempo todo no dia a dia da vida comunitária, e causavam
danos umas às outras:
“Ou eu pago o preço alto e faço a ruptura com tudo isto
aqui, e mantenho minha lucidez, ou me torno mais uma nessa linha de produção de
gente adoecida e diluída na personalidade.”
Ele adoecia cada vez mais e era cada vez mais agressivo com
ela. Ela passou a temer a companhia dele.
Ela havia cansado de lutar sozinha para manter acesa a
última fagulha de sentimento que ainda existia.
Ele, adoecido, humilhava-a.
Ela estava traumatizada e sua alma em ruínas.
Tudo acabou.
Ambos seguem seus caminhos sozinhos.
Ela recupera devagar a alegria por ter sido encontrada pelo
Caminho, pela Verdade e pela Vida. Tem o Evangelho, somente, como lâmpada para
os pés e luz para o seu caminho.
Ela quase não tem notícias dele.
Ele, ouvi falar, estava novamente falando de um púlpito para
algum ajuntamento de gente, pela denominação que lhe dá Nome e Sobrenome.
Uma simples Menina do Reino