DEUS É AMOR
Em sua recente entrevista à revista VEJA, Rob Bell usou a
declaração bíblica “Deus é amor” como argumento para embasar sua expectativa de
que ao final todos os seres humanos serão salvos.
Não quero aqui repetir as observações que fiz a tal
entrevista em post anterior. Vou me concentrar apenas numa análise crítica do
uso desta frase “Deus é amor” por Rob Bell e seus seguidores.
Vou começar lembrando que antes de Rob Bell outros já usaram
esta expressão bíblica (1Jo 4.8 e 16) para defender ideias estranhas. Cito
particularmente os defensores do teísmo aberto ou da teologia relacional. Para
eles, o atributo mais importante de Deus é o amor. Todos os demais estão
subordinados a este. Richard Rice, um proponente do teísmo aberto, em seu
artigo “Biblical Support for a New Perspective” [“Base Bíblia para uma Nova
Perspectiva”] publicado num livro de teístas abertos cita um leque eclético de
neo-ortodoxos e liberais, tais como Heschel, Barth, Brunner, Kasper e
Pannenberg para apoiá-lo na afirmação que o amor “é mais importante que todos
os outros atributos de Deus”, até mesmo “mais fundamental… O amor é a essência
da realidade divina, a fonte básica da qual se originam todos os atributos de
Deus.”
Com base neste conceito da predominância do amor, eles negam
que Deus conheça o futuro, pois seu amor o impede de limitar a liberdade de
suas criaturas de qualquer modo ou maneira. Deus é amor, e isto significa que
ele é sensível para com suas criaturas e que constrói o futuro junto com as
decisões delas. O futuro, portanto, é sempre aberto e indeterminado. Nem Deus o
conhece, pois em nome do amor abriu mão da sua onisciência.
É claro que estas conclusões não podem ser consideradas nem
mesmo como cristãs. Mas note que elas foram alcançadas a partir do uso errado
do conceito de que Deus é amor. No caso, o erro maior foi esquecer que além de
ser amor, Deus também é onisciente e onipotente e que seu amor não o obriga a
renunciar a nenhuma de suas características ou atributos em seu relacionamento
com suas criaturas. Penso que este é exatamente o mesmo tipo de erro em que Rob
Bell e seus defensores incorrem ao usar a expressão “Deus é amor” como base
para sua expectativa da salvação universal. Explico.
1 – Apenas quatro vezes no Novo Testamento encontramos
afirmações sobre o que Deus é três delas feitas por João: Deus é “espírito” (Jo
4.24), “luz” (1Jo 1.5) e “amor” (1Jo 4.8,16). A quarta é “Deus é fogo
consumidor” (Hb 12.29; cf Dt 4.24). Estas afirmações não são definições
completas de Deus – não tem como defini-lo no sentido estrito do termo – mas
revelam o que ele é em sua natureza. “Deus é amor” significa que ele não
somente é a fonte de todo amor, mas é amor em sua própria essência. É
importante, entretanto, lembrarmos que se Deus é amor, ele também é espírito,
luz e fogo consumidor. Temos de manter em harmonia estes aspectos do ser de
Deus, pois só assim poderemos compreender como um Deus, que é amor, castiga os
ímpios com ira eterna. Conforme escreveu John Stott em seu comentário de 1João
4.8 e 16, “Aquele que é amor é luz e fogo também”.
“Fogo” e “luz” são metáforas, é verdade. Mas, metáforas
apontam para realidades. No caso, elas querem simplesmente dizer: “Deus é
santo, verdadeiro, ele se ira contra o pecado e não vai tolerar a mentira. Ele
punirá os pecadores impenitentes”. Basta ler o contexto das passagens citadas
acima para que se verifique o que estou dizendo.
Portanto, não sendo a única passagem que se refere a Deus
usando o verbo ser, “Deus é amor” não pode ser entendida como uma definição
exclusiva da essência de Deus, enquanto que tudo o mais que é dito sobre Deus
usando-se o mesmo verbo ser é entendido como atributos secundários. Isto é
exegese preconceituosa.
2 – Na revelação que fez de si mesmo, Deus sempre manifesta
o equilíbrio perfeito entre os seus atributos, entre amor, misericórdia e
compaixão, de um lado, e justiça, retidão e santidade, de outro. Há várias
listas destas qualidades de Deus no Antigo Testamento, mas tomo apenas uma, bem
representativa. Moisés desejou ver a Deus e Deus se fez revelar pela
proclamação de seus atributos:
“E, passando o SENHOR por diante dele, clamou: SENHOR,
SENHOR Deus compassivo, clemente e longânimo e grande em misericórdia e
fidelidade; que guarda a misericórdia em mil gerações, que perdoa a iniquidade,
a transgressão e o pecado, ainda que não inocenta o culpado, e visita a iniquidade
dos pais nos filhos e nos filhos dos filhos, até à terceira e quarta geração!”
(Ex 34:6-7).
Impossível não notar o equilíbrio entre amor e justiça,
misericórdia e ira.
3 – Alguns querem fazer a diferença entre amor e atributos,
dizendo que Deus é amor em sua essência e que seus atributos estão subordinados
ao amor. Os pontos 1 e 2 acima já são suficientes para mostrar que não podemos
dizer que Deus é somente amor. Mas, tudo bem. Vamos conceder, apenas para
argumentarmos, que o amor de Deus, por ser a sua própria natureza, prevalece
sobre seus atributos, como justiça e santidade, por exemplo. O que isto quer
dizer? Que em determinadas situações Deus deixa de ser santo, justo, reto e
verdadeiro para mostrar amor? Alguém pode me mostrar uma única passagem na
Bíblia onde Deus agiu de maneira injusta, desleal, mentirosa e preconceituosa
em nome de sua natureza amorosa?
A maior manifestação do amor de Deus foi enviar seu Filho
Jesus Cristo para morrer por pecadores para satisfazer a sua justiça e as
demandas de sua santidade. Se Deus fosse amor do jeito que esse pessoal diz,
ele teria simplesmente deixado sem castigo os pecados e perdoado todo mundo,
sem precisar castigar seu Filho amado em lugar de pecadores. Mas, não é isto
que a Bíblia diz. Portanto, o fato de que Deus é amor em momento algum anula o
outro fato, que ele é santo, justo e reto.
4 – Basta olharmos a história bíblica para percebermos que
este Deus que é amor não deixou de mandar o dilúvio para destruir o mundo dos
ímpios e nem fogo do céu para destruir Sodoma e Gomorra e nem ainda de castigar
os anjos que se rebelaram contra ele. Na verdade, o apóstolo Pedro usa todos
estes episódios narrados no Antigo Testamento como tipo ou figura do castigo
eterno que Deus tem preparado para os libertinos, ímpios e pecadores
impenitentes:
“Ora, se Deus não poupou anjos quando pecaram, antes, precipitando-os
no inferno, os entregou a abismos de trevas, reservando-os para juízo; e não
poupou o mundo antigo, mas preservou a Noé, pregador da justiça, e mais sete
pessoas, quando fez vir o dilúvio sobre o mundo de ímpios; e, reduzindo a
cinzas as cidades de Sodoma e Gomorra, ordenou-as à ruína completa, tendo-as
posto como exemplo a quantos venham a viver impiamente; é porque o Senhor sabe
livrar da provação os piedosos e reservar, sob castigo, os injustos para o Dia
de Juízo, especialmente aqueles que, seguindo a carne, andam em imundas paixões
e menosprezam qualquer governo” (2Pe 2:4-10).
Comentando os mesmos episódios, Judas diz que eles são
“exemplo do fogo eterno” (Judas 7).
5 – Outro ponto: será que Deus só ama os pecadores e ímpios?
Não ama ele aqueles de seu povo que foram injustiçados, violentados, torturados
e mortos pelo nome de Cristo? O Deus que é amor é o mesmo Deus que tomará
vingança daqueles que maltrataram, perseguiram e mataram seu povo. É assim que
Paulo conforta os crentes da cidade de Tessalônica, que estavam passando por
severa perseguição:
“É justo para com Deus que ele dê em paga tribulação aos que
vos atribulam; e a vós outros, que sois atribulados, alívio juntamente conosco,
quando do céu se manifestar o Senhor Jesus com os anjos do seu poder, em chama
de fogo, tomando vingança contra os que não conhecem a Deus e contra os que não
obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus. Estes sofrerão penalidade de
eterna destruição, banidos da face do Senhor e da glória do seu poder” (2Tess
1:6-10).
Este conforto que Paulo oferece na passagem acima é bem
vazio se todos serão salvos, inclusive os torturadores, assassinos e
perseguidores do povo de Deus através da história. Paulo não conforta os
crentes perseguidos dizendo que no final todos serão salvos, inclusive os seus
perseguidores. Ao contrário, Paulo emprega a justiça de Deus e a condenação
eterna deles como consolo para os atribulados.
E onde ficam as palavras de Deus dadas aos mártires, que nos
céus clamavam por vingança?
“Quando ele abriu o quinto selo, vi, debaixo do altar, as
almas daqueles que tinham sido mortos por causa da palavra de Deus e por causa
do testemunho que sustentavam. Clamaram em grande voz, dizendo: Até quando, ó
Soberano Senhor, santo e verdadeiro, não julgas, nem vingas o nosso sangue dos
que habitam sobre a terra? Então, a cada um deles foi dada uma vestidura
branca, e lhes disseram que repousassem ainda por pouco tempo, até que também
se completasse o número dos seus conservos e seus irmãos que iam ser mortos como
igualmente eles foram” (Ap 6:9-11).
Esses mártires conheciam a Deus tão bem a ponto de darem
suas vidas por ele. Será que pediriam o castigo de seus verdugos a Deus se
acreditassem que, sendo amor, Deus iria salvar a todos no final? E por que
Deus, caso pretendesse salvar tais ímpios da condenação eterna, consolou os
mártires dizendo que aguardassem mais um pouco e então seu pedido seria
atendido – é só ler o resto do livro de Apocalipse para ver que estes ímpios,
junto com Satanás e seus anjos, serão atormentados para sempre no lago de fogo
e enxofre, a segunda morte (Ap 20:10; 21:8).
6 – Deus é amor. E se tem uma coisa que ele ama acima de
tudo é o seu Filho Jesus Cristo, várias vezes chamado na Bíblia de “o Amado”
(Mt 3:17; 17:5; Ef 1:6; Col 1:13; etc.). Contudo, submeteu-o ao sofrimento do
inferno eterno durante aquelas poucas horas na cruz, a ponto de, antes, Jesus
ter pedido três vezes para ser poupado (Getsêmani) e de gritar na cruz, “por
que me desamparastes?” O que Deus fará, pergunta o escritor de Hebreus, aos que
desprezam Jesus Cristo?
“De quanto mais severo castigo julgais vós será considerado
digno aquele que calcou aos pés o Filho de Deus, e profanou o sangue da aliança
com o qual foi santificado, e ultrajou o Espírito da graça? Ora, nós conhecemos
aquele que disse: A mim pertence a vingança; eu retribuirei. E outra vez: O Senhor
julgará o seu povo. Horrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo” (Hb 10:29-31).
As Escrituras deixam claro que todos pecaram e carecem da
glória de Deus. Não há um único justo. Todos merecemos a condenação eterna. O
amor de Deus consiste em resgatar os que ele quis da justa condenação, não sem
antes ter providenciado a satisfação requerida por sua santidade. Mesmo que
somente um fosse salvo da condenação eterna pelo sacrifício de Cristo, o amor
de Deus já teria triunfado sobre o pecado e a morte.
Não tenho prazer na realidade do sofrimento eterno. Não
prego sobre o inferno com satisfação. Tento fazê-lo com lágrimas nos olhos. Mas
confesso que não consigo perceber no conceito da punição eterna qualquer
injustiça, crueldade, maldade, ou falta de amor em Deus.
Fonte: O tempora! O Mores!
Por Augustus Nicodemus Lopes