PASTORAS E BISPAS, SERIAM CARGOS MINISTERIAIS
APROVADOS PELA BÍBLIA?
Carta a Bispa Evônia
Augustus Nicodemus
[*Nota – é mais uma carta fictícia, gênero que uso
como maneira de tornar as minhas ideias mais interessantes para o leitor. Minha
esposa não tem (ainda) nenhuma amiga que virou bispa.]
Minha cara Evônia,
Minha esposa me falou do encontro casual que vocês
duas tiveram no shopping semana passada. Ela estava muito feliz em rever você e
relembrar os tempos do ginásio e da igreja que vocês frequentavam. Aí ela me
contou que você foi consagrada pastora e depois bispa desta outra denominação
que você tinha começado a frequentar.
Ela também me mostrou os e-mails que vocês trocaram
sobre este assunto, em que você tenta justificar o fato de ser uma pastora e
bispa, já que minha esposa tinha estranhado isto na conversa que vocês tiveram.
Ela me pediu para ler e comentar seus argumentos e contra-argumentos. Não
pretendo ofendê-la de maneira nenhuma – nem mesmo conheço você pessoalmente.
Mas faço estes comentários para ver se de alguma forma posso ser útil na sua
reflexão sobre o ter aceitado o cargo de pastora e de bispa.
Acho, para começar, que você ser bispa vem de uma
atitude de sua comunidade para com as Escrituras, que equivale a considerá-la
condicionada à visão patriarcal e machista da época. Ou seja, ela é nossa
regra, mas não para todas as coisas. Ao rejeitar o ensinamento da Bíblia sobre
liderança, adota-se outro parâmetro, que geralmente é o pensamento e o espírito
da época.
E é claro, Evônia, que na nossa cultura a mulher –
especialmente as inteligentes e dedicadas como você – ocupa todas as posições
de liderança disponíveis, desde CEO de empresas a presidência da República – se
a Dilma ganhar. Portanto, sem o ensinamento bíblico como âncora, nada mais
natural que as igrejas também coloquem em sua liderança presbíteras, pastoras,
bispas e apóstolas.
Mas, a pergunta que você tem que fazer, Evônia, é o
que a Bíblia ensina sobre mulheres assumirem a liderança da igreja e se este
ensino se aplica aos nossos dias. Não escondo a minha opinião. Para mim, a
liderança da igreja foi entregue pelo Senhor Jesus e por seus apóstolos a
homens cristãos qualificados. E este padrão, claramente encontrado na Bíblia,
vale como norma para nossos dias, pois se baseia em princípios teológicos e não
culturais. Reflita no seguinte.
1. Embora mulheres tenham sido juízas e profetisas
(Jz 4.4; 2Re 22.14) em Israel nunca foram ungidas, consagradas e ordenadas como
sacerdotisas, para cuidar do serviço sagrado, das coisas de Deus, conduzir o
culto no templo e ensinar o povo de Deus, que eram as funções do sacerdote (Ml
2.7). Encontramos profetisas no Novo Testamento, como as filhas de Felipe (At
21.9; 1Co 11.5), mas não encontramos sacerdotisas, isto é, presbíteras, pastoras,
bispas, apóstolas. Apelar à Débora e Hulda, como você fez em seu e-mail, prova
somente que Deus pode usar mulheres para falar ao seu povo. Não prova que elas
tenham que ser ordenadas.
2. Você disse à minha esposa que Jesus não escolheu
mulheres para apóstolas porque ele não queria escandalizar a sociedade machista
de sua época. Será, Evônia? O Senhor Jesus rompeu com vários paradigmas
culturais de sua época. Ele falou com mulheres (Jo 8.10-11), inclusive com
samaritanas (Jo 4.7), quebrou o sábado (Jo 5.18), as leis da dieta religiosa
dos judeus (Mt 7.2), relacionou-se com gentios (Mt 4.15). Se ele achasse que
era a coisa certa a fazer, certamente teria escolhido mulheres para constar
entre os doze apóstolos que nomeou. Mas, não o fez, apesar de ter em sua
companhia mulheres que o seguiam e serviam, como Maria Madalena, Marta e Maria
sua irmã (Lc 8.1-2).
3. Por falar nisto, lembre também que os apóstolos,
por sua vez, quando tiveram a chance de incluir uma mulher no círculo
apostólico em lugar de Judas, escolheram um homem, Matias (At 1.26), mesmo que
houvesse mulheres proeminentes na assembléia, como a própria Maria, mãe de
Jesus (At 1.14-15) – que escolha mais lógica do que ela? E mais tarde, quando
resolveram criar um grupo que cuidasse das viúvas da igreja, determinaram que
fossem escolhidos sete homens, quando o natural e cultural seria supor que as
viúvas seriam mais bem atendidas por outras mulheres (Atos 6.1-7).
4. Tem mais. Nas instruções que deram às igrejas
sobre presbíteros e diáconos, os apóstolos determinaram que eles deveriam ser
marido de uma só mulher e deveriam governar bem a casa deles – obviamente eles
tinham em mente homens cristãos (1Tm 3.2,12; Tt 1.6) e não mulheres, ainda que
capazes, piedosas e dedicadas, como você. E mesmo que reconhecessem o
importante e crucial papel da mulher cristã no bom andamento das igrejas, não
as colocaram na liderança das comunidades, proibindo que elas ensinassem com a
autoridade que era própria do homem (1Tm 2.12), que participassem na inquirição
dos profetas, o que poderia levar à aparência de que estavam exercendo
autoridade sobre o homem (1Co 14.29-35). Eles também estabeleceram que o homem
é o cabeça da mulher (1Co 11.3; Ef 5.23), uma analogia que claramente atribui
ao homem o papel de liderança.
5. Você retrucou à minha esposa na troca de e-mails
que nenhuma destas passagens se aplica hoje, pois são culturais. Mas, será,
Evônia, que estas orientações foram resultado da influência da cultura
patriarcalista e machista daquela época nos autores bíblicos? Tomemos Paulo,
por exemplo. Será que ele era mesmo um machista, que tinha problemas com as
mulheres e suspeitava que elas vivessem constantemente tramando para assumir a
liderança das igrejas que ele fundou como você argumentou? Será que um machista
deste tipo diria que as mulheres têm direito ao seu próprio marido, que elas
têm direitos sexuais iguais ao homem, bem como o direito de separar-se quando o
marido resolve abandoná-la? (1Co 7.2-4,15) Um machista determinaria que os
homens deveriam amar a própria esposa como amavam a si mesmos? (Ef 5.28,33). Um
machista se referiria a uma mulher admitindo que ela tinha sido sua protetora,
como Paulo o faz com Febe (Rm 16.1-2)?
6. Agora, se Paulo foi realmente influenciado pela
cultura de sua época ao proibir as mulheres de assumir a liderança das igrejas,
o que me impede de pensar que a mesma coisa aconteceu quando ele ensinou, por
exemplo, que o homossexualismo é uma distorção da natureza acarretada pelo
abandono de Deus (Rm 1.24-28) e que os sodomitas e efeminados não herdarão o
Reino de Deus (1Co 6.9-11)? Você defende também, Evônia, que estas passagens
são culturais e que se Paulo vivesse hoje teria outra opinião sobre a
homossexualidade? Pergunto isto pois em outras igrejas este argumento está
sendo usado.
7. Tem mais, se você ainda tiver um tempinho para
me ouvir. As alegações apostólicas não me soam culturais. Paulo argumenta que o
homem é o cabeça da mulher a partir de um encadeamento hierárquico que tem
início em Deus Pai, descendo pelo Filho, pelo homem e chegando até a mulher
(1Co 11.3).[1] Este argumento me parece bem teológico, como aquele que faz uma
analogia entre marido e mulher e Cristo e a igreja, “o marido é o cabeça da
mulher como Cristo é o cabeça da igreja” (Ef 5.23). Não consigo imaginar uma
analogia mais teológica do que esta para estabelecer a liderança masculina. E
quando Paulo restringe a participação da mulher no ensino autoritativo - que é
próprio do homem – argumenta a partir do relato da criação e da queda (1Tm
2.12-14).[2]
8. Você já deve ter percebido que para legitimar
sua posição como bispa você teve que dar um jeito neste padrão de liderança
exclusiva masculina que é claramente ensinado na Bíblia e na ausência de
evidências de que mulheres assumiram esta liderança. Não tem como aceitar ser
bispa e ao mesmo tempo manter que a Bíblia toda é a Palavra de Deus para nossos
dias. E foi assim que você adotou esta postura de dizer que a liderança
exclusiva masculina é resultado da cosmovisão patriarcal e machista dos autores
do Antigo e Novo Testamento, e que, portanto não pode ser mais usada em nossos
dias, quando os tempos mudaram, e as mulheres se emanciparam e passaram a
assumir a liderança em todas as áreas da vida. Em outras palavras, como você
mesmo confirmou em seu e-mail, a Bíblia é para você um livro culturalmente
condicionado e só devemos aplicar dele aquelas partes que estão em harmonia e
consenso com nossa própria cultura. Eu sei que você não disse isto com estas
exatas palavras, mas a impressão que fica é que você considera a Bíblia como
retrógrada e ultrapassada e que o modelo de liderança que ela ensina não serve
de paradigma para a liderança moderna da Igreja de Cristo.
Quando se chega a este nível, então, para mim, a
porta está aberta para a entrada de qualquer coisa que seja aceitável em nossa
cultura, mesmo que seja condenada nas Escrituras. Como você poderá como bispa,
responder biblicamente aos jovens de sua igreja que disserem que o casamento
está ultrapassado e que sexo antes do casamento é normal e mesmo o relacionamento
homossexual? Como você vai orientar biblicamente aquele casal que acha normal
terem casos fora do casamento, desde que estejam de acordo entre eles, e que
acham que adultério é alguma coisa do passado?
Sabe Evônia, vocês e a sua comunidade não estão
sozinhas nessa distorção. Na realidade esse pensamento é também popularizado
por seminários de denominações tradicionais e professores de Bíblia que
passaram a questionar a infalibilidade das Escrituras, utilizando o método
histórico crítico, ensinando em sala de aula que Paulo e os demais autores do
Novo Testamento foram influenciados pela visão patriarcal e machista do mundo
da época deles. Só podia dar nisso… na hora que os pastores, presbíteros e as
próprias igrejas relativizam o ensino das Escrituras, considerando-o preso ao
séc. I e irremediavelmente condicionado à visão de mundo antiga, a igreja perde
o referencial, o parâmetro, o norte, o prumo – e como ninguém vive sem estas
coisas, elege a cultura como guia.
Termino reiterando meu apreço e respeito por você
como mulher cristã e pedindo desculpas se não posso me dirigir a você, em nossa
correspondência pessoal, como “bispa” Evônia. Espero que meus motivos tenham
ficado claros.
Um abraço,
Augustus